Primavera, horário de verão. Praia da Joaquina, Florianópolis, 27ºC de uma sexta-feira ensolarada. Na areia, bundas para cima, divididas por um fio; gordos com cor-de-turista; surfistas descansando e surfistas se aquecendo; mesas e cadeiras de plástico amarelo ocupadas pela mais variada classe de clientes e, entre eles, garçons se revezam servindo cerveja e petiscos. Entre eles, um se destaca. Alto; meia-idade; pele morena marcada pelo sol forte; sorriso no rosto, parcialmente encoberto por um bigode grisalho; barriga de chope. Como todos os funcionários do bar, veste uma camisa polo branca suada, bermuda vermelha até o joelho e chinelos de dedo, que levantam areia a cada passo na areia fofa. O figurão se aproxima de fregueses recém-sentados e habla español. Silêncio. Nenhum dos três jovens – um loiro de regata com cara de criança e corpo de velho, um baixinho sem camisa que não para de gesticular enquanto fala e um japonês ainda com roupa de borracha – responde ao garçom fanfarrão. Ele continua falando como se os clientes fossem hermanos, mas, com certeza, traído por um sorriso de canto de boca e olhos malandros, sabendo que eram brasileiros. O baixinho, confuso, fala com a boca e com as mãos: “opa, então, tudo certo?”, tentando mostrar ao garçom supostamente lesado que ele era local. Vendo a ingenuidade e a falta de reciprocidade da brincadeira, o garçom finalmente fala como filho da pátria amada, Brasil: “e aí, rapaziada, fiquem a vontade, já volto pra atender vocês e desculpa pela brincadeira”, com sorriso fácil e sotaque nordestino, o brincalhão sai às pressas, chamado pelo patrão. Sobe as areias quentes com certo cansaço, passando por várias mesas – um casal de turistas se beija depois de comer fritas com maionese, ketchup, mostarda e pimenta; dois gordos e dois magros tomam a sétima cerveja e falam alto; três mulheres com biquínis pequenos e curvas bem moldadas não consomem – apenas aproveitam a sombra do guarda-sol; um surfista cansado devora uma tigela de açaí, congelando seu cérebro. “Mesa 11, rápido!”, informou a voz de alguém no interior do bar. Com uma garrafa de Bohemia na mão e uma lata de guaraná na outra, o bigodudo agora desce até a mesa 11. Dropa a garrafa e a lata na mesa e serve um senhor, de óculos aviador Ray Ban, de cerveja e uma jovem morena de olhos azuis, de guaraná. Ao dar as costas, solta o riso. Na mesa 17 (a dos três jovens ‘argentinos’), o japonês está com o braço levantado. Quando o garçom chega, ele pede uma Original e três copos. O loiro com cara de criança pede um isqueiro e o garçom tira da pochete um acendedor simples, vermelho. O loiro agradece. Ao sair, o garçom parece pensar que os três ainda não esqueceram e não gostaram da brincadeira e pede desculpas de novo, tentando ser gentil. Ao mesmo tempo, os três respondem: “que isso, irmão, tá sossegado!”, “pô, relaxa, de boa!” e “valeu, bom trabalho aí”. Relaxado, o nordestino passa pelas mesas recolhendo garrafas e vasilhas vazias e as leva para a cozinha. Nenhum pedido para entregar, se encosta no concreto que sustenta a construção do bar e, com as mangas da camisa, seca o suor do rosto. Aproveita a brisa fresca que alivia seu rosto queimado. Ele não percebeu, mas passaram-se dez minutos e o japonês da mesa 17 está com o braço levantado de novo. O garçom se desencosta e vai até ele. “Pô, irmão, não sei se esqueceram, mas a gelada ainda não veio”, reclama educadamente o oriental. “Caralho, esses caras são uns folgados!!! Parece que não querem trabalhar, porra! Ô, Jurandir, cadê a cerveja dos caras?”, grito de um garçom para outro. “Aí, galera, já vou pegar pra vocês, foi mal aí.” Encabulado, ele vai atrás da cevada líquida. No meio do caminho, encontra o Jurandir que estava com a gelada na mão. “Pô, Jurandir, que vacilo!”, fala pegando a cerveja da mão do outro e levando até seus clientes. “Tá aí, galera”. “Valeu, irmão!”, agradece o baixinho com o polegar levantado. O garçom volta a sua rota procurando por clientes que queiram seu auxílio. Em um primeiro momento, ninguém. Repentinamente, poucos segundos depois, três mesas (9, 4 e 12) pedem a conta. Ele olha para o céu e percebe que a trovoada de sul está chegando em alta velocidade. O ar já começa a ficar úmido com o vento gelado. As bundas para cima, divididas por um fio; os gordos com cor-de-turista e os surfistas começam a recolher suas trouxas para fugir do temporal. Mas os clientes das mesas amarelas ficam refém das contas que tem que pagar. Os garçons correm. Os três jovens da mesa 17 não se mexem, mas mesmo assim o garçom moreno com sotaque nordestino vai até eles. “E aí, moçada. Se quiserem, posso levar a mesa lá pra dentro.” Os três respondem que estão esperando um amigo que está na água e vão esperar até a chuva chegar. Aí o garçom prevê: “tranquilo, então (olha para o céu), é, a chuva vai chegar daqui uns doze minutos”. Doze minutos depois, o loiro de regata com cara de criança e corpo de velho, o baixinho sem camisa que não para de gesticular enquanto fala e o japonês de roupa de borracha se levantam e pagam a conta. A chuva chega forte. Não há mais clientes nas mesas e cadeiras amarelas. O garçom vai para dentro do bar e agradece a chuva e o vento. Agora ele anda sobre um pavimento firme, não torra no sol e tem menos clientes para atender.
Um comentário:
Quase Talese.
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