sexta-feira, 16 de novembro de 2012

o rato

Não gostava dele, quer dizer, nunca tive sentimento ruim, ódio nem rancor, entendes? Só não gostava, nunca gostei. 

O vinho tinto já está deixando minha língua mais solta. Eu nem bebo, mas hoje é por justa causa, fiquei muito tenso com o velório do pai. Além do mais, vinho é vinho, né, sempre faz aquela moral. 

Ana, mas o que eu sentia pelo Tião não importa. Pra mim, a questão é como que tu foste te interessar nele, sabes do que estou falando! Ela fugiu com o olhar, sem graça. Desculpe, não foi minha intenção, mas é que te vejo assim, com as olheiras de choro mais belas que já vi, e não posso aguentar. Ele não merece uma gota, nem d’água, nem de mim, o filho único; quanto mais de ti. 

Eu sabia que um dia este dia chegaria. Espero que ela esteja entendendo esta angústia que me consome, porque foram anos de silêncio, de cúmplice compulsório do grande Tião Antunes. E agora ele está morto, e não foi por minha culpa. 

Tenha paciência comigo, ainda estou processando tudo isso e já percebi que não dou conta das ideias só na cabeça. Parece que tenho que falar com alguém pra dar sentido a isso tudo, sabes? Mas vejo que estou sendo inconveniente, estás exausta, até pensei que ias cochilar antes de chegar a sobremesa. Quando acabarmos o pudim de leite, vamos embora, te deixo em casa. Ela balançou as mãos, como se dissesse pra eu largar de frescura e seguir vomitando meus traumas. 

Estou desconfiado que ela esteja mais interessada na história do Tião do que deveria, estou desabafando toda minha vida para uma desconhecida. Não, na verdade, é uma conhecida que conheci hoje, e talvez seja até mais que conhecida - era amante do meu pai, carambas! Além do mais, tenho nada a perder: meu filho já desistiu de mim justamente por causa dele, mora longe daqui, com a mãe. Eu também nunca mais casei, nem namorei; e esse velho tinha uma amante, e não uma qualquer!

Foi com uns dez anos que descobri tudo, ou quase tudo. É claro que eu não sabia que era crime, mas achava estranho. Aquela intuição bem típica da criança que começa a ficar esperta. Perguntei pra mãe o que era aquilo e ela achou graça, coitada, nunca desconfiou de nada. Uma santa, morreu faz tempo. Foi direto pro céu e vai esperar por ele pra sempre. Ana franziu o nariz, quase fechando também os dois olhos, mas não falou nada. Nenhuma palavra até agora - deve ser outra santa.

Algum tempo depois, a mãe comentou pro Tião da nossa conversa. Ela não sabia da onde que eu tinha tirado aquelas histórias, estava até meio preocupada com minhas companhias na escola. Estávamos jantando, me lembro bem: arroz integral, abobrinha, feijão preto e frango caipira. O Tião só comia feijão com a carne do dia, quando tinha. E aí, quando ele ouviu o que mãe falou, tirou de repente a coxa de frango da boca toda engordurada e olhou pra mim, mas eu já estava com olhar fixo nos últimos bagos de feijão no prato. Claro, ficou puto da cara, só que não se entregou, começou a dar risada e disse com aquela voz sedutora: “essas crianças de hoje em dia estão muito precoces, mas também, o menino só fica na rua!”. Minha mãe fez que ‘sim’ com a cabeça, com cara de preocupada, mas com um pequeno sorriso amarelo.

Foi aí que começou meu pesadelo de cúmplice do próprio pai. Ele me contou tudo naquele dia, abriu o jogo mesmo. Eu não sabia bem o que pensar, era uma só uma criança. Tudo que ele me pediu foi segredo absoluto, não podia falar mais nada pra minha mãe. O pior é que a partir daí eu fui perdendo o interesse nela, só queria saber do meu pai. Se bem que é normal, o filho homem tem que ficar mais com o pai mesmo, se não, vai que fica meio afeminado, né, Ana?!

A verdade é que até meus quinze anos, isso nem incomodava muito. Eu mal pensava, era uma criança tola. Tudo o que eu queria era impressionar meus colegas. O pai sabia e me ajudava: tênis de marca, relógio, boné, essas coisas normais da adolescência. Até o fim do segundo grau foi assim, eu não me importava muito com as coisas do velho, tinha coisas mais importantes pra pensar. Não era fácil se enturmar no colégio em que estudei!

Tudo bem, eu sei, não é fácil pra ninguém, mas, de qualquer forma, quando fui pra faculdade foi uma época complicada. Cursei Economia e sabe como é, sempre tem um pessoal metido a revolucionário no centro acadêmico. O pior é que fiquei amigo de um deles. É que o cara era muito gente boa e acabei me influenciando. Ele me indicou uns livros do Dostoiévski, Kafka, Benedetti e cheguei até a ler uns capítulos de Marx, vê se pode! E aí, nessa época, fiquei meio revoltado com o Tião. Consegui entender o esquema a fundo e o pior: toda a lógica que envolvia aquilo. Fiquei com muito nojo e resolvi cortar relações com ele.

O velho ficou com medo que eu falasse de tudo pra todos e começou a apelar pra intimidação: quis cortar minha mesada. Eu bem que tentei uns empregos pra me sustentar e não depender mais dele, mas não consegui nada decente. A vida é mais difícil do que parece...

Aos poucos fui me afastando do centro acadêmico e dos meus amigos revolucionários. A verdade é que eles me faziam mal. Sem querer, alimentavam meu dilema todos os dias. Pra escapar do sofrimento, resolvi focar nos estudos e me formar logo. 

Que mulher misteriosa, essa Ana. Continua quieta, só me ouvindo. Talvez ela seja psicanalista ou talvez seu luto seja bem maior que o meu. Seus olhares me recriminam e me admiram ao mesmo tempo. Será que ela está me ouvindo?!

Me diga uma coisa, chegaste a fazer faculdade? Com que trabalhas, Ana? Deu um gole no vinho e lançou um olhar impaciente. Onde é que eu estava mesmo? Ah, então, depois que me formei foi dureza. Só achava emprego que pagava o piso do economista, que era menos do que a mesada que o Tião pagava.

Fiquei desempregado por um ano, mas conseguia levar bem minha vidinha. Até que veio mais um carma: minha ex-mulher (namorada na época) engravidou. Aí eu não tive saída, fui procurar o velho.

Pedi desculpas por tudo. Confessei que era cabeça fraca, que tinha sido influenciado por más influências, mas que, nunca, em nenhum momento deixei de amá-lo. Nem eu sei o que tinha de verdade naquele meu desespero; nem o Tião. O que ele sabia era me acalmar: “Filho querido, que felicidade! Não vejo a hora de ser avô.” Pagou toda a festa pra quinhentos convidados e deu entrada num apartamento na Beira-Mar: dois quartos e uma suíte. “Vocês vão precisar”.

Realmente precisávamos. Queria que meu filho crescesse no melhor dos ambientes e tivesse todas as condições pra ser bem educado. Queria ser um pai exemplar, o oposto do Tião.

Eu juro que tentei. Fiz tudo o que estava dentro e fora do meu alcance. Mas o menino foi ficando cada vez mais rebelde. E minha ex-mulher ali, me desrespeitando, dando confiança pra ele. Era um saco: todo almoço caía no mesmo assunto. Eles detestavam o Tião, especialmente quando ele resolvia passar lá em casa pra ficar dando palpite. Difícil entender que tudo o que tínhamos era graças a ele - gostássemos ou não. 

No fim das contas, essa ingratidão foi minando as estruturas da família. A gota d’água foi quando meu filho veio me intimando, como se fosse um oficial de justiça, pra eu confessar tudo o que sabia do meu pai. Ele tinha ouvido um diz-que-me-diz na universidade e veio tirar as satisfações comigo. Pra variar, a ex-mulher vinha atrás dele reforçando as acusações.

Imagina minha situação, Ana. Parecia cena de novela: “ou nós ou ele”. Eles queriam que nos mudássemos pra longe, pra uma cidadezinha de interior, começar uma vida simples do zero e nos livrar de toda a influência do Tião. 

Eu disse que não e não. Como assim?! Não fazia o menor sentido abrir mão de tudo por causa de um ou outro desvio de conduta do Tião. Seria como se nós nos rendêssemos a ele, entendes? Pois é. Eles foram teimosos e se foram. Tenho visto meu filho uma vez por ano. Não é fácil...

Ou ela está com muito sono ou é muito insensível. Nem uma palavrinha pra me consolar?! Busco por mim próprio: os olhos de Ana são tão fundos e serenos que me acalmam naturalmente.

- Ataliba, continue, por favor. Ela sorriu discretamente.

Desculpe, vou tentar ser mais direto agora. Nem sei se deveria contar isso pra ti, que foste tão próxima do Tião. Mas, já que estamos aqui e não tenho mais nada a perder... não é mesmo? 

Quando minha ex-mulher e meu filho se foram, fui transtornado até o escritório do Tião. Cheguei querendo matá-lo e ele, que já sabia de tudo, me recebeu com aquele sorriso cínico. “Senta, meu filho. Aceite este copo de uísque.” Não sentei. Peguei o copo, joguei com toda força na cabeça dele. E desabei no choro. Nem consegui tirar da pasta o revólver que levava comigo.

Podia tê-lo matado, mas tudo o que causei foi um galo e mais quatro pontos na careca do velho. Ele chamou a secretaria que trouxe gelo e fez um curativo. Logo ele ficou bem. “Estás mais calmo, filho?” Dei um abraço no pai, pedi desculpas e fui embora. Nunca mais tive coragem de voltar no escritório dele. Falamos no telefone uma vez ou outra. Ele também não apareceu mais naquele mesmo apartamento que tanto gostava de ir quando eu ainda tinha família.

Foi ficando velho e eu fui me afastando, acabei me esquecendo de tudo, nem me importava mais. O velho passou todo o negócio pra um sócio. Foi bom: aliviou minha consciência. 

Mas, hoje, depois da morte dele, voltei a me questionar se eu devia tê-lo matado.

Afinal, ele assassinava praticamente meia dúzia por semana. Isso sem falar nas mortes indiretas e no suborno de políticos. Engraçado, Ana, o tempo passou e..., no fim das contas, Tião Antunes acabou morrendo de morte morrida, assim, natural.

- Na verdade, não, Atalibinha: foi arsênico no café. Ela virou o resto de vinho que sobrava na taça e se levantou. 

Me apaixonei de vez. Mas ela nunca mais voltou.

quinta-feira, 27 de setembro de 2012


ora aquilo, ora isso
a flor do amor sem compromisso
atiço o vento e de repente, pudera!
de flor em flor, faz-se primavera

e pouco a pouco
de canto em canto
cantado com todo o encanto
a flor nasce tão bela

e tão logo faz-se pranto

o raio apaixonado pela flor
afia a raiva dos trovões
o riso raro do amor
tem um jeito de sumiço

a flor, o raio e o trovão
vértices do rebuliço
do amor que nunca é paixão
mas vício

quinta-feira, 28 de junho de 2012

O abraço


                O Tempo um segundo longo e infinito, atrito sem raspas, um abraço com o que não se toca, o impalpável vivo, e toda a natureza torta. Eu não sei do Tempo.
                Abraçou-me o olhar vago e triste, lago furna fundo de água escura, rígida como pedra caso um vaso arremessado do alto partiria feito osso, e assim fosse também um moço.
                Não caia, não pule do alto, és vivo e voas a jato furando os limites do som; pintas nas paredes mortas de uma cidade morta tua mostra de corpo, e num pisco estás espalhado por aí, dissolvido.
                A vontade do peito é leão, quer gritar Não e chutar o vazio que nem vazio é,
pois nunca sequer deixou entrar o vazio do tempo, o nada,
cabeça maquinada martelo pica-pau coisa imbecil funcionando à pressa e metas tolas de merda. Funcionam-se assim as pessoas e o mundo em que vivem.
                Nós não.
Nós saímos do ciclo metrado do tempo e o ritmo é outro, o bumbo é outro, marcando a levada doida cambando de um lado a outro carregando o quadril mole que quebra e samba, de mãos dadas na roda santa que é vento e mais nada.
                Tudo voa na vida e ar me falta, me salta o peito, voar não dá fui feito pra parar!!! Enquadrado e sugado pelas vozes exigentes e tiranas invisíveis que fizeram, desde quando?, tic-tac, sob o pano do lençol antes do sono anzol que engatava-se-me no palato mole.
               
                Tic-tac-tic-tac vai menino tic-tac-tic-tac rapidinho tic-tac-tac indo bem ligeiro para a morte, para a morte!, vai menino! embusteiro
               
Arrastando-me pelos momentos o anzol estava prestes a rasgar-me a cartilagem da faringe, comprometendo todo o Sistema Vocal, quando encontrei-me perto do céu e longe do certo, sentindo meu sentido de elefante...
tudo isso é leve...

Por isso, amigo,
quando a vida nos encontrar nas rotineiras corredoras do banheiro à sala de um prédio público
me olhes, e digas ô velho vem cá e abrace-me chorando quanto tiver que vazar
pelos olhos, nariz e boca

e a vida é eu nunca ter-te dito isto
e só estar fazendo-o agora, embora
soubéssemos os dois...!

sexta-feira, 8 de junho de 2012

no horizonte
sempre visível e nunca alcançável
ela dorme

respirando baixo sob nossas vidas
sussurrando em nossos ouvidos

nós a bebemos, todos os dias
tomar água é pôr um pouco do mundo pra dentro
e o mundo que gira não pode ficar parado
e nos gira junto

girando por todas as partes
logo quebra o cimento
e entrará em movimento
o horizonte distante

sexta-feira, 1 de junho de 2012

o herói, o vilão


Que imbecil que eu sou! Pra que é que fui inventar de me pintar nesta fantasia maldita?! Eu sei, eu sei que eu queria chamar atenção na corrida, estava toda a comunidade vendo, tinha uns jornalistas filmando... Se bem que, na verdade, queria mais era se lembrar da minha infância, todo mundo sabe que o Hulk é meu herói preferido, nunca gostei desses magrelos tipo homem-aranha e muito menos do casal Batman e Robin. É, mas e se fosse, qual o problema de querer chamar a atenção? Pelo menos por um momento deixei de ser só o cara que cuida de piscina do outro lado do asfalto. Tinha criança que não parava de correr atrás de mim, teve uma até que me fez parar (perdi umas dez posições por causa disso) pra pedir um autógrafo do Hulk! Meu deus, isso não tem preço, quase chorei na hora. Quando que alguém, uma criança que fosse, ia pedir pra um cuidador de piscina alguma coisa assim?!
Tudo bem, mas isso não interessa nada agora, como sou bobo, nem por isso valeu a pena! Agora estou aqui, com a pele toda, toda verde! Saio na rua e as crianças agora só dão risada e isso ainda é o de menos, o pior é o pessoal todo mundo me olhando e balançando a cabeça, como se eu fosse monstro de verdade! Será que eles acham que eu realmente quero ser o Hulk pra sempre? Mesmo depois de 20 banhos a porcaria da tinta não sai! E ainda tem o pior problema de todos: Como é que eu vou trabalhar amanhã? Ainda bem que a corrida foi ontem e ainda tenho hoje pra tentar me lavar, mas amanhã eu já tenho que ir pro trabalho. Se eu não for, meu amigo, estou no olho da rua na hora, já fiquei sabendo que tem três na fila de espera, como se o emprego fosse grande coisa...
Aaaah, já sei! Nem vou pro trabalho, vou ligar pro chefe amanhã mesmo e pedir a conta. Não aguento mais ficar cuidando de criança mimada que quase se afoga todo dia. Eu vou é aproveitar esta desgraça pra mudar a minha vida! Amanhã mesmo vou ligar pro advogado aqui da ONG pra meter um processo nesta marca vagabunda de maquiagem. Talvez até role processar o dono do mercadão de Madureira também. Que maravilha! Como não pensei nisso antes? Capaz de tirar uns 200 mil! Já estou até vendo a manchete no jornal: “Paulo Henrique do Santos é o novo milionário do Complexo do Alemão”. Não, não, não! Não se iluda, moleque! Este tipo de coisa demora pra cacete, ainda mais pra gente que é pobre, que a justiça é mais devagar do que fila de hospital.
Falando em hospital, tenho que me concentrar é na realidade. Durante a corrida, eu lembro que tive uma coceira danada. Até agora estou sentindo meu braço meio estranho. Será que esta maquiagem está me dando alergia? Meu deus, o pior é que nem sei se a minha pele está vermelha de irritação, está tudo verde!
A culpa é do vendedor. Quando cheguei ao mercadão, eu perguntei pra ele: “Seguinte, quero uma tinta verde pra me pintar de Hulk”. Mas claro que não era pra ser pra sempre, e o cara me dá esta porcaria que não sai de jeito nenhum. Paguei 37,90 em cada lata, que prejuízo... Pelo menos não tive que comprar a farinha de trigo, que tinha lá na casa da Silvinha, minha vizinha.
Farinha, a cola de farinha! Como sou injusto, já ia culpando o pobre do vendedor. A culpa é da Silvinha, ela que fez a mistura da tinta verde, ela que botou farinha na mistura! Só pode ser isso, agora estou todo colado de tinta de verde de farinha. Vou matar a Silvinha! Não, que isso? Quem vê pensa que sou vilão, e não sou super-herói. Eu vou só dar um esporro muito grande nela, que é uma querida, que não merece ouvir nada disso. Eu não vou brigar nem nada. Ponto. Só vou ter uma conversa séria. Nossa, que saudade que bateu da Silvinha agora. Pensando bem, ela foi muito querida por ter ficado o dia inteiro (das 9 da manhã até 7 da noite) me ajudando a fazer esta fantasia. Será que ela comentou alguma coisa da farinha? Agora não importa. Melhor se esquecer desta história, o importante que eu quero fazer uma visita para ela. Não, mas eu preciso lembrar pra saber porque é que esta tinta não sai, pra saber como que voltar à forma humana, cacete! Ou melhor, agora só preciso saber o culpado!
Quem é que mandou misturar farinha na tinta, cacete?!
Bom, eu – sei lá... É, melhor esquecer mesmo. Nem vou tocar mais neste assunto. Estou indo pra casa da Silvinha e vou mandar ela me lavar até sair esta maldita pele verde.


Narrativa baseada na notícia “Homem que correu fantasiado de Hulk não consegue voltar à ‘forma humana’”, do site do jornal Extra, disponível em extra.globo.com/noticias/rio/homem-que-correu-fantasiado-de-hulk-nao-consegue-voltar-forma-humana-5038019.html

quarta-feira, 30 de maio de 2012

desarmonia  que rima
dissonância fria
máscara que não cai
metade de mim quer
metade de mim fica

dias sem ela
corpo que pede
volta, amor
falta, amor
explica, amor
explica, dor

quando acaba?
quando falta?
não, quando supri

Energia que vai
tristeza que vem
sozinho fico
maldito destino
física dor
coração que para


Energia que vem
alegria do bem
companhia que faço
bendito destino
excitação dormente
coração que dispara


terça-feira, 29 de maio de 2012

Soneto do meio dia


Como num passo de rascunhos mágicos estou aqui de novo
fronte a essa fronte frente a essa frente de imensidão que espalha
Como um mar manso de alazão e uma manta que me cobre o corpo:
Homens estão sempre sendo quadrados...

Não há nada de fantástico não há nada de frito ovo
barro que branca a frigideira e de leve uma palha
outros são os novos é quase um centavo de pouco
furo o muro estou extasiado

E por que então não me encontro só?
Por que ouço o sussurro na beira?
Ah, não são poucas as besteiras

Que meu corpo ouve amante
Meio grilo meio elefante...
Porque virei pó...

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Ler menos politica, ler mais.


Preciso escrever, e preciso de um cachorro, preciso de uma menina pra dizer que amo, e preciso ter amigos.
Mas tenho tudo isso, em algumas doses, em alguns dias. Em verdade tenho tantos dias! Tenho tanto, e tenho que pulsa. E porque então esse vazio, essa angústia, ou esse gosto na boca de algo que me falta?
Por que um fogo que persegue instiga, e contorce e pipoca?
Escrevo e não canso, tento e não convenço, amo e não entrego, converso e não me sou!

Então por que tanto insistir, por que a loucura, demasiado cotidiana, por que um descontentamento tamanho?
Preciso de inspiração e preciso de paz. Preciso de tempo e preciso correr, preciso descansar. Preciso de um cão, e preciso de um gato, preciso de tempo pra pescar, e de pôr do sol pra cantar. Preciso de uma guitarra e um bolero, preciso de tango, e preciso tanto dela.

E tenho medo de falar, que preciso e quero, e quero precisar e quero sentir. Quero deixar de lado essa dose de anestésico da vida que me tomo todo dia, quero deixar o instante sobrevir, quero deixar o presente pressentir. Quero me inteiro, quero te inteira. Quero metades, quero.

Até extinguir, até entender, até não ter fim. Quero descobrir o limite do desejo, quero saber sua matéria e seus átomos. E fujo, na mesma velocidade.

domingo, 8 de abril de 2012

Celebração (II)

Como era Páscoa, e ele renasceu. Era domingo, e como acordado de sono de séculos, levantou da cama, e construiu com letras - uma a uma - o corpo para sua nova vida. Tomou a métrica, tomou a prosódia e a rima, e em ato heróico, planejou um mundo, e uma amada, um poema em uma praia, um vinho e uma lua. E seu corpo foi se refazendo, de tanta angústia de um sono interminável e que não entendia.

Agora, com as letras nas mãos, pode acordar de novo. Pode dar significado aquilo que parecia apenas sons, apenas consoantes momentos seguidos de momentos, vãos.
 A cada moldura que dava para cada palavra ganhava destaque o que não dizia, ganhava evidência o espaço entre as palavras. E deu a isto o nome de intersticio das palavras (a lembrar de um intestino quicá).

Mas o problema persitia - pra que isso de nascer e morrer, terminar e começar - partir e ficar? E de pensar e ser alimentava o ciclo, consumindo toda a vida, toda a vida que pulsa e sangra. E pulsando redigiu as letras, em um blog ou algo novo desse gênero de coisas. E concebeu o novo, como um feto universo, como um mega-portal.

E ele era o espaço, onde projetam-se letras, ele era o momento que nunca sabe-se o que vem, ele era a pergunta, ele era a web e sua infinitude, ele era uma criação conjunta, como um sonho que se compartilha. Ele era nós, ele era nem, mas renascia.

sábado, 7 de abril de 2012

Depois de um ano no deserto, o pescador volta à praia.

Seu barco ainda está lá, encalhado na areia, descascado pelo sol e cheirando a maresia. O limo agora cobre quase toda a proa que, na maré cheia, fora lambida tantas vezes pela espuma salgada do mar. A popa, por outro lado, está mais seca do que nunca – mesmo no pico da enchente, as marolas não a alcançam. Tornou-se o berçário perfeito para a mamãe quero-quero, que agora coloca seus ovos no vazio onde estaria o motor que nunca fora comprado. O barco de madeira, de 12 pés, sempre navegara com dois remos velhos, que nunca mais seriam encontrados.

Descalçou as sandálias de dedo e correu em direção ao velho companheiro de mar. Beijou o casco, subiu a bordo, pôs-se em direção de sentido e anunciou o retorno. “Marujos, companheiros, depois de um ano enfrentando as privações que a aridez me conferiu, estou de volta para avançarmos ao imenso oceano e navegar nas farturas que só essas águas podem oferecer!”. A seus pés calejados, que fugiam das farpas de madeira, dois siris escutavam, distraídos, procurando o buraco que os levaria de volta à areia quente.

O cansaço era grande, mas a ansiedade era muito maior – tinha que ir ao centro da cidade comprar novos mantimentos.

A pracinha ainda está lá, rodeada pela Igreja, pela Prefeitura e pelo Fórum e também pela mercearia, pela farmácia e pelo boteco. No centro, um chafariz de cimento, sem água, virara refeitório das centenas de pombas, abastecido pelas crianças depois das missas de domingo. Dos quatro bancos da praça, um estava quebrado; outros dois, ocupados por carolas que, com rosários nas mãos, esperavam a hora da missa; e o último servia de cama, forrado com jornal, para um bêbado da cidade.

Um arrepio de êxtase e nostalgia passou pela espinha do pescador que voltava para casa. Queria ir logo para o boteco, comprar cigarros e tomar um trago, mas sua moral cristã o obrigou a passar pela Igreja. Ajoelhou-se na frente da Nossa Senhora dos Navegantes e rezou dez ave-marias em dois minutos, afinal, a mãe dos mares sabia que ele não tinha muito tempo a perder.

No boteco, encontrou alguns velhos parceiros de bar, que o cumprimentaram com tapinhas nas costas. Comprou seis maços de cigarro, sem filtro e sem contraindicação e, num copo fosco de velho, cheirando a sabão de coco, deu três tragos de cana para apurar os sentidos. Antes de se despedir, anuncio o retorno. “Marujos, companheiros, depois de um ano enfrentando as privações que a aridez me conferiu, estou de volta para avançarmos ao imenso oceano e navegar nas farturas que só essas águas podem oferecer!”. Um dos bêbados, que o assistia com faróis baixos, não conteve um soluço; outros lhe ofereceram mais cachaça; o resto continuou bebendo cerveja e cachaça e comendo rollmops e bolinhos de siri.

Faltava pouco para poder voltar à areia e em seguida ao mar. Foi à mercearia e comprou três quilos de farinha de trigo, duas caixas de fósforo, óleo de soja e um galão de água vazio, que depois o encheria na bica perto da praia. Enquanto passava entre as prateleiras de comida e de não-comida, as duas únicas do lugar, chutou sem querer uma pequena panela de alumínio, que devia servir para as goteiras nos dias de chuva. Olhou para o caixa, era a filha mais nova da dona da mercearia, que nem ouviu o barulho, estava concentrada em lixar as unhas da mão esquerda, apoiada sobre um pote de pé-de-moleque. O pescador percebeu a distração e escondeu a panelinha dentro da camisa, nas costas. Pagou a conta e conseguiu roubar. Mas não fora um crime, afinal, se tivesse tempo, convenceria a caixa que a panela seria para um causa nobre.

De volta à praia, descarregou as compras no barco, inclusive o galão, já cheio de água doce e cristalina. Foi, então, ao rancho da colônia dos pescadores, precisava de uma tarrafa e de um remo. O casebre de madeira azul clara, com a inscrição colônia B-28, em vermelho, ainda está lá, no canto direito da praia, à beira-mar. Fora lugar de memoráveis reuniões e confraternizações dos mais célebres marujos e pescadores da região. Logo após a entrada, entre dois pilares, uma placa indica o Memorial dos Homens do Mar, feito por retratos, apoiados sobre um casco de madeira, de pescadores mortos em acidentes marítimos de toda sorte. Velas apagadas e flores murchas rodeam as fotos empoeiradas. O pescador não se contém, deixa cair uma lágrima sobre um cinzeiro que alguém esqueceu no altar.

Levanta a cabeça e olha para os lados, só encontra um velho companheiro de mar, num canto, sentado sobre uma caixa de batatas, fumando um cigarro de palha. Recompõe-se e anuncia o retorno. “Marujos, companheiros, depois de um ano enfrentando as privações que a aridez me conferiu, estou de volta para avançarmos ao imenso oceano e navegar nas farturas que só essas águas podem oferecer!”. Mas, para isso, o pescador precisa de um remo e uma tarrafa. O velho apaga o cigarrinho, suspira e diz que pode pegar o remo que está encostado na parede, atrás de uma canoa, mas a tarrafa ele não pode emprestar, quer vendê-la, largar a pesca e passar um tempo no deserto. O pescador insiste, mas o velho resiste. Acabou saindo só com o remo na mão.

Andou poucos metros, cabisbaixo, com o remo apoiado no ombro e na areia, criando um trilho entre conchas e algas, até tropeçar em um tronco trazido pelo mar e deixar o remo o cair. Fita o pedaço de madeira e o levanta, descalça as sandálias e volta para o rancho correndo, empunhando o remo com a pá para frente, até encontrar a cabeça do velho, que fumava seu último cigarrinho de palha.

Por um momento, o sangue espirrado na parede e no chão comoveu o pescador, mas o sacrifício fora necessário, afinal, o velho não passava de um desertor que não queria dar-lhe uma rede para a pesca.

Foram dez dias no mar. Só saía do barco quando encontrava algum banco de areia para acender uma fogueira, fritar um peixinho e esquentar o pirão. Pescou trinta peixes, comeu vinte na empreitada e outros dez foram vendidos para um turista, na beira do mar, quando voltou. Juntou o dinheiro e foi para o boteco, tomou cerveja e cachaça e comeu só rollmops, porque os bolinhos eram caros.

Quando um antigo pescador, bêbado, doido varrido, que passara alguns anos cidade, foi ao bar tentar convencer os boêmios a voltar para a pesca, não conteve um soluço e ofereceu-lhe um trago de cachaça.

terça-feira, 31 de janeiro de 2012


Em cada gesto frio
Três nuvens;
Silencio por séculos
De esplêndida escuri-
Dão.

Darão a quem o troféu
De mais bem vivido
Ou de Satanás, o Cão?

Anoitece na cidade,
Anoitece em meu coração.
Do oposto à vida
Ao gosto pela maldade.

Egoístas, pais da não-paz!
Que querem de mim?
O corpo, a voz, ou
As vontades enfim?

Meu caminho tão menino,
Entre árvores e traves,
Ferido e maltratado
Com sua cara assustada.

Espante-se com o espelho, oras!
Largue a minha bola, eu
Conduzo como poucos
Desde os tempos de escola!

Pra lá o espanto!
Aqui o encanto
E a descoberta.

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

anseio-te como uma louca
buscando-te em cada canto
cantando-te com todo encanto
pelas ruas sempre vazias

e pelas promessas tardias
sigo te procurando, tonta
pelo anseio engolido, tanto
pela saudade rouca

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

...


Vender, VEnder, VENder, VENDEr, VENDER
pra
Comprar, COmprar, COMprar, COMPrar, COMPRar, COMPRAR
E er
E ar
E Errar

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

espera

e assim voce me deixa
transitando
ora céu ora inferno
preso o pranto

a cada migalha
um novo caminho
trânsito de cores quentes
por entre espinhos

a cada instante
uma conquista
e para cada qual
a minha morte

sábado, 31 de dezembro de 2011

caule ou poeta

nós: os
olhos da árvore.

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Alpino temente

Sôfrega lamuria do pensante
Que em palavras vai-se cambaleante
Não desvela o que duvida
Tem a alma torta e ungida

É em si claustro
Tem mágoa latente
A força vacila ausente
Conjura o sofrer

Tolhe o dia do gosto
Tem o rosto oposto
Vê-se fora garboso
Mas não escapa
Denota querer

domingo, 25 de dezembro de 2011

Ao meu priminho, com quem brinquei na piscina hoje

O touro, na água, não tem chão
O caubói, no touro na água, não tem cela

Às costas calejadas do touro,
O caubói se funde com seus braços lisos
De esperança, de vida e
De vontade de vida que,
Transfundida ao touro velho,
Transforma-se em vontade de esperança
Na vida

ao espírito do natal

De dia,
Não me escondo,
Na luz,
Deixo-me queimar

À noite,
Com plástico me cubro
De verde e
Um pouco de vermelho

***

"O peru é muito difícil de comer!", confessou.
Imagina se fosse fácil, pensei e
Logo repensei, pois
Se fosse fácil,
Por que lamberia com tanto gosto esta coxa, esse peru?

Ele começou na coxa e até lambeu os beiços por ela,
Mas não se conteve, passou pela asa e foi até o peru

Logo depois, palitou os dentes e libertou seu...

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

pouco

sob estrelas parcas
e brisas lentas
demoramo-nos em vão

persegui tua alma
e dentro encontrei
tão pouca imensidão

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Pintor de facas


Cem dimensões
Tomam as coisas em nossas mãos.

Que serão, pergunto,
Que serão?

O cajado do grande sábio,
Escondido rosto negro,
Apóia-se no chão de nuvens - eternidade.

Lá de cima,
Ao contrário do que sempre se pensou,
A morte veia
Em todos os nossos braços.

Cada ato como o último ultimato
Sedento pela sede, apenas,
E as terríveis penas
Que por dentro derrubam...

Que serão, pergunto,
Que serão?

A força dos golpes que atingem
Está
Na força do atingido que,
Sentindo a si sem cor,
Dá por dele a culpa.

- Outrem pintor de facas,
Outrem demônio meu,
Fuja-me e tinja-me o peito antes que o branco desta folha
Tome a mente e o coração desse que ainda não enlouqueceu!

Serão a indivisão
Meu-teu?

domingo, 11 de dezembro de 2011

...

Hoje permuto entre a morte na gruta e a puta trama que teima em me tomar os atos permitidos

domingo, 4 de dezembro de 2011

Dois

Não me chame de amor.
Meu amor é outro.
Tivemos nosso tempo.
Já sou de outrem.

Engodo! Covarde!
Não foste capaz!
No último instante,
ou em qualquer outro...

Calou-te.
Ousas dizer:
"não pude",
antecipando o que dantes não era.

Agora leva,
é teu,
o "eu te amo" deste amor,
que feneceu.

Não levo!
Pois não podia
dizer a alguém um "amor",
que não havia.

Era carinho, o que sentia.
Tua sombra, o que eu via,
teu cheiro, o que queria,
mas tua alma, o que exibias.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Soco

Num soluço da manhã respiro um soco de esperança e vontade
                                                                         [de mundo,
E me tranco nesse quarto para fazer minha poesia inútil;

E em meio à força do discurso e da fonética do som das
                                                             [palavras faladas,
Recolho-me à palavra muda, que ecoa de dentro pra mais
                                                                   [ dentro ainda:
Meu silêncio espera a hora da música enquanto as vozes
                                                            [circulam fugazes.

Aí então o mundo ouvirá meu canto,
Arraigado nas entranhas ferozes do meu corpo,
Onde se fundem sentimento e palavra.

“Quando eu soltar a minha voz...”

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

olhos de brasa

Enquanto o céu começava a se alaranjar, ela, deitada sem pudores na areia, respirava o aroma de flores secas e vidas novas e outros tempos. Seus olhos azul faiscante confundiam-se com a paisagem, tão pesadamente ela a absorvia e admirava, e com o fluxo entre pessoa e mundo as janelas de sua alma também tomavam sutil tom alaranjado. Certo número de pessoas mais próximas já o haviam visto acontecer, e diziam-lhe que tinha olhos de brasa, e que quanto queimavam dessa maneira, ao pôr do sol, ela ficava tão deslumbrante e magnífica que nem um rei teria coragem de negar-lhe qualquer coisa – de fato, seus olhos lhe concediam grande poder. Contudo, carregar chamas nos olhos às vezes a queimava por dentro. É a rabugenta velha armadilha, o paradoxo da luz, seu último desafio: brilhar sem queimar. Ela era tão imensa por dentro que transbordava, e a lava que escorria era tanto mágica quanto venenosa. Sua sina era buscar o equilíbrio, o ponto onde seus olhos poderiam absorver cada gota de mundo e fogo, sem que ela toda ardesse em chamas.

O sol se pôs e ela deu um mergulho no mar para aliviar a histeria silenciosa de todos os seus próprios sóis que ainda não se haviam posto.

conversa de banheiro


ai, esses olhinhos...
2 meus olhos nunca mentem
1 teus olhos nunca mentem,
1 são olhos de poeta.

2 ahaha essa é boa
2 "meus olhos nunca mentem, são olhos de poeta."
1 é, boa mesmo...!

- disse esse meu amigo
querido pela negra pele
que o aço de sol crivo
e os olhos verde-vivo
interceptam-me!

o gosto pelas palavras nos comove a veia
o sangue de células pares nos sobe os olhos
enquanto a ceia nos vem à mesa
com temperos brasuca-arábicos

e o vinho, quando a cerveja, quando o uísque, quando a fanta, quando a água...

sábado, 19 de novembro de 2011

espelho

espelho, espelho meu
quando foi que enlouqueceu?
não me chames de feia
me solte da teia
dos males podres seus

espelho, espelho meu
o que fazes comigo é triste
a beleza que consumiste
devorada, esmaeceu

espelho, espelhos tantos
imponentes e maldosos
deixem livres as mulheres
deixem que cada beleza cante